Jorge Miranda é peremptório em classificar como política a declaração de Passos Coelho. Vitalino Canas diz que não é normal em democracia.
"É uma declaração política, não tem qualquer sentido em termos jurídicos", afirma o constitucionalista Jorge Miranda, quando questionado pelo PÚBLICO sobre a defesa feita pelo líder do PSD, Pedro Passos Coelho, ontem à tarde em Évora, repetindo as afirmações de sexta-feira à noite em Viana do Castelo, de que haja responsabilização "civil e criminalmente" dos governantes que não cumprem os objectivos de governação.
Para Jorge Miranda, "só os haveria" [espaço para procedimento criminal e civil contra governantes] "se houvesse casos de corrupção comprovados". E o constitucionalista da Faculdade de Direito - que é um dos pais do sistema político português, não só porque foi um dos deputados à Assembleia Constituinte responsáveis pela redacção da Constituição, como, antes disso, integrou a equipa de juristas que fez a lei eleitoral - sustenta que "a responsabilidade de um governo é política e não tem sentido que não o seja".
Na sexta-feira, Passos Coelho defendeu que "não se pode permitir" que os responsáveis pelos maus resultados "andem sempre de espinha direita, como se não fosse nada com eles". E afirmou ainda: "Quem impõe tantos sacrifícios às pessoas e não cumpre merece ou não merece ser responsabilizado civil e criminalmente pelos seus actos?"
Passos Coelho advogou ainda: "Se temos um Orçamento e não o cumprimos, se dissemos que a despesa devia ser de 100 e ela foi de 300, aqueles que são responsáveis pelo resvalar da despesa também têm de ser civil e criminalmente responsáveis pelos seus actos e pelas suas acções."
O líder do PSD sublinhou ainda que Portugal precisa de responsabilidade: "Não podemos permitir que todos aqueles que estão nas empresas privadas ou que estão no Estado fixem objectivos e não os cumpram." E garantiu: "Sempre que se falham os objectivos, sempre que a execução do Orçamento derrapa, sempre que arranjamos buracos financeiros onde devíamos estar a criar excedentes de poupança, aquilo que se passa é que há mais pessoas que vão para o desemprego e a economia afunda-se."
Apelou ainda ao Governo para "dar um sinal de consciência e de rigor" na execução do Orçamento do Estado para 2011, para que Portugal recupere a confiança de credores e mercados. E concluiu: "Precisamos, enquanto país, que os nossos credores acreditem que aquilo que prometemos fazer, ao contrário do que aconteceu no passado, vai mesmo ser cumprido."
Por sua vez, o dirigente do PS Vitalino Canas comentou à TSF estar "perplexo": "Confesso que como jurista essas palavras me deixam algo perplexo. Não sei se o doutor Passos Coelho sabe exactamente o que é a responsabilidade civil e criminal. Concordo com a necessidade de existência de uma cultura de responsabilidade, mas em democracia o que incide sobre os políticos é sobretudo a responsabilidade política, o risco que correm de serem penalizados politicamente."
O dirigente do PS acrescentou não considerar normal o acto de "ameaçar com responsabilidade civil e criminal nos regimes democráticos", deixando um apelo à prudência aos políticos nas declarações que proferem.
FONTE: http://jornal.publico.pt/noticia/07-11-2010/responsabilizar-criminalmente-governantes-nao-tem-qualquer-sentido-diz-jorge-miranda-20568369.htm?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+JornalPublico+%28P%C3%9ABLICO+-+Edi%C3%A7%C3%A3o+Impressa%29
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