26 de maio de 2010

Campa velada 42 anos estava vazia

O corpo era para ser transladado quando se descobriu que o caixão em chumbo continha apenas areia, uma meia, um sapato e um par de calças.

Ao longo de 42 anos, Isilda limpou e colocou flores na campa do marido no cemitério da Bufarda, em Peniche. E foi acalentando o desejo de ser sepultada no mesmo coval. Na segunda--feira, quando os familiares se preparavam para cumprir a sua vontade, constataram, estupefactos, que no caixão não havia quaisquer restos mortais do militar, apenas areia.

Tertuliano Rosário Henriques combateu e faleceu em Angola, em 1967, com 22 anos, num acidente de viação. Para Portugal foi enviado um caixão de chumbo, selado, que a família supunha conter o cadáver. O funeral do combatente realizou-se em Bufarda, freguesia de Atouguia da Baleia, num espaço correspondente a um corredor do cemitério, à espera de haver um talhão disponível. A sua mulher, Isilda Henriques, sempre afirmou que queria ser sepultada no mesmo espaço que o marido. E para isso comprou um terreno.

Quando faleceu, a família tratou de cumprir o seu desejo. Mas durante o funeral de Isilda Henriques, anteontem, ficou a saber-se que no caixão que deveria conter o corpo de Tertuliano Henriques, nem ossadas existiam. A transladação foi cancelada e a vontade de Isilda Henriques está por concretizar.

'Não havia ossadas nenhumas. Apenas lá estava um sapato, uma meia, um par de calças e areia vermelha', contou ontem Manuel Salvador, presidente da Junta de Freguesia de Atouguia da Baleia, que comunicou o caso à GNR. 'Ainda bem que não foi possível transladar o corpo antes da senhora falecer. Imagine-se o estado em que ficava, depois de andar mais de 40 anos a colocar flores e a limpar a campa do marido e saber que o caixão estava vazio?', adianta.

'Estamos chocados', desabafou Luís Bernardo, sobrinho do militar, adiantando: 'Ele morreu num despiste de jipe, foi projectado. Se tivesse sido uma mina, compreendia-se que o corpo tivesse ficado em mau estado, mas assim não'. Para Luís Bernardo, 'a família está outra vez a viver a mesma dor' de há 42 anos e pondera agora apresentar queixa em tribunal contra o Estado por 'danos morais'.

MEMÓRIA DE UM MORTO-VIVO DA GUERRA COLONIAL


Manuel Maltez, combatente em Moçambique, foi dado como morto em 1971. A família, de Ílhavo, recebeu a notícia, um caixão, e fez o funeral. Depois do 25 de Abril, soube--se que havia um grupo de soldados portugueses presos pela Frelimo num campo da Tanzânia. Melo Antunes, militar do MFA e governante, negociou o regresso dos soldados. Neles vinha Maltez, que tinha sido apanhado numa emboscada, e depara-se com a própria campa. Foi repudiado pela família e parte da aldeia, acabando recolhido por uma mulher que, mais tarde, matou.

PORMENORES

MESES À ESPERA


A família de Tertuliano Henriques esteve dois meses à espera da transladação do corpo para Portugal. O acidente aconteceu um mês e meio depois de ter chegado a Angola.

VELAR O VAZIO

Manuel Silva Alves, que denunciou o caso a pedido dos familiares do combatente que vivem na Alemanha, lamenta que tenham passado 'tantos anos a velar areia', adiantando que o Estado deve ser responsabilizado.

FONTE: http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/exclusivo-cm/campa-velada-42-anos-estava-vazia

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