6 de abril de 2012

Autoridade rodoviária pune condutores com álcool mais severamente que tribunais

Os condutores apanhados com uma taxa de álcool no sangue entre 0,5 e 1,2 gramas por litro (g/l) são sujeitos a contra-ordenações muitas vezes superiores às multas determinadas pelos tribunais em processos-crime por condução em estado de embriaguez, o que só acontece quando os condutores ultrapassam a fasquia do 1,2 g/l.

Tal é assumido por juristas, advogados e magistrados ouvidos pelo PÚBLICO, que justificam a desproporcionalidade com o facto de a justiça administrativa e da penal terem modos diferentes de funcionamento, tendo a última que ter em consideração a situação económica do arguido, o que não acontece com a primeira.

A suspensão do processo-crime, que é cada vez mais corrente nos condutores apanhados pela primeira vez, agudiza mais esse fosso. É que há tribunais, como o da Pequena Instância Criminal do Porto, que suspendem habitualmente o processo aos infractores primários sem sequer os multar ou proibir de conduzir durante um certo período. Optam pelo trabalho comunitário e uma formação na área da prevenção rodoviária. Já se o condutor for apanhado com uma taxa de álcool entre 0,8g/l e 1,2 g/l, o que constitui uma contra-ordenação muito grave, é obrigado a pagar, no mínimo, uma multa de 500 euros e a ficar dois meses inibido de conduzir. No caso das contra-ordenações graves (entre 0,5 g/l e 0,8 g/l) os limites mínimos baixam para 250 euros acrescidos de um mês sem conduzir.

António Ventinha, procurador no Algarve, testemunha a disparidade de tratamento. E diz que isso não acontece apenas nas infracções rodoviárias. "Por regra, a justiça contra-ordenacional é muito mais dura que a justiça penal", resume. E completa: "Isso deve-se a dois factores: as contra-ordenações são muito pesadas e a justiça penal é muito branda."

Miguel Costa é advogado e já participou em mais de uma centena de julgamentos para decidir acusações de condução em estado de embriaguez. Atribui as culpas da desproporção ao legislador. "Nos tribunais, ao contrário do que é feito pelas autoridades administrativas, as penas reflectem o nível da culpa do arguido traduzido em dias de multa e a taxa diária dessa multa tem em conta, necessariamente, a situação económica do arguido", explica. António Ventinha diz que é comum os tribunais aplicarem 40 a 50 dias de multa a arguidos primários à taxa diária de cinco, seis ou sete euros, o que dá uma multa entre os 200 e os 350 euros, bastante inferior aos 500 euros mínimos aplicados nas contra-ordenações muito graves.

O magistrado nota, contudo, que o mínimo de tempo de inibição de conduzir aplicado pelos tribunais é três meses, uma sanção mais pesada que o mínimo previsto para as contra-ordenações. Mas isso já não acontece nos casos de suspensão, que evitam o registo no cadastro e as custas judiciais.

Carlos Teixeira, que coordena o Ministério Público em Gondomar, considera difícil compatibilizar o regime contra-ordenacional e o penal, já que funcionam de forma diferente, mas acredita que os tribunais se devem preocupar em fazer uma compatibilidade prática. "Se calhar para uniformizar é melhor actuar ao nível contra-ordenacional, diminuindo o mínimo das coimas", sugere.

O juiz António Martins, presidente da ASJP, propõe outra alteração: "A suspensão do processo não permite que seja decretada a sanção acessória de inibição de conduzir, talvez se justificasse fazer uma alteração da lei." Apesar disso muitos procuradores notificam os condutores de que não podem conduzir durante um determinado período e obrigam-nos a entregar a carta ao tribunal. Mas para Martins isso é pouco: "Se o condutor for apanhado a conduzir nesse período, o máximo que lhe pode acontecer é ter uma contra-ordenação por não apresentar o documento na hora."

 in PUBLICO.PT

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