No processo não há qualquer documento que confirme a intervenção do Conselho Científico nas 32 equivalências. O que se vê é que uma mesma pessoa assinou o parecer e o despacho das equivalências.
O parecer que está na origem da atribuição de equivalência a 32 das 36 disciplinas que constituem o plano de estudos da licenciatura de Miguel Relvas na Universidade Lusófona foi subscrito por dois professores. Um deles era o director do curso e foi também ele quem decidiu, num despacho exarado um mês depois, quais eram, em concreto, as disciplinas a que o currículo do aluno foi considerado equivalente. No processo do aluno, não há vestígios de qualquer intervenção do Conselho Científico do departamento e do Conselho Científico da universidade.
Um dos responsáveis da universidade, Manuel José Damásio, garantiu segunda-feira ao PÚBLICO que as decisões sobre creditação das competências adquiridas ao longo da vida era feita na Lusófona de duas formas diferentes: no caso das competências resultantes do percurso académico dos candidatos, a decisão cabia ao director do curso; no caso das competências obtidas por meio de experiência profissional era elaborado um parecer prévio e a decisão final era tomada, com base nele, pelo Conselho Científico do departamento e mais tarde ratificada pelo Conselho Científico da universidade. De acordo com Damásio, foi exactamente isso que sucedeu com Relvas.
O processo do aluno revela, porém, que a decisão foi tomada exclusivamente pelo director do curso, Fernando dos Santos Neves, que assina o despacho de atribuição de equivalências nessa qualidade, não havendo sinal de que os conselhos científicos tenham apreciado e tomado alguma decisão sobre o caso. O PÚBLICO pediu ontem um esclarecimento a Damásio, sem resposta.
Um relatório da Inspecção-Geral do Ensino Superior de 2009 sublinha que os seus auditores verificaram que os documentos de creditação de alguns alunos são assinados pelos directores dos cursos, o que não estaria conforme às regras da própria universidade. Do ponto de vista legal, a questão não é clara, uma vez que são as universidades quem fixa, nos seus regulamentos, a tramitação dos processos de equivalência. A Lusófona diz não ter regulamento para o efeito.
Na opinião de Adriano Pimpão, presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) entre 2000 e 2005, este tipo de processos deve ter regras. "O relatório a apresentar ao Conselho Científico num caso destes tem que dizer que experiências, em que cargos, exercidos durante quanto tempo, valem "x" créditos. E deve especificar que disciplinas devem ter equivalência. O Conselho Científico discute esse relatório. E a acta, ou um extracto, do conselho tem que existir e deve fazer parte do processo do aluno."
A lei é muito aberta e permite que as instituições façam como entendem - na opinião de Pimpão "apertar os regulamentos era uma questão de bom senso". Mas ainda assim, o professor, questionado sobre se estranha que o director do curso (que era ao mesmo tempo presidente do Conselho Científico do departamento e reitor), tenha também co-assinado o parecer onde se avalia o percurso de Relvas, diz: "Ilegal não me parece. Mas temos que ter cautela: nos vários níveis de decisão as pessoas não devem ser as mesmas. Se assina o parecer, e o despacho, e é presidente do órgão... bem os sistemas hierarquizados existem em toda a parte para garantir que se tomam boas decisões e que não há critérios duplicados."
Júlio Pedrosa, ministro da Educação de António Guterres e também antigo presidente do CRUP, não comenta o caso específico, mas diz: "Para cada cadeira deve dizer-se que é suposto que o aluno aprenda isto e aquilo, treine estas capacidades, adquira estas competências. Depois, a pessoa responsável pelo processo [de reconhecimento] tem que dizer onde é que no percurso do candidato, e através de que experiências, foram aqueles resultados conseguidos."
No processo de Relvas, o procedimento seguido não corresponde às boas práticas defendidas por estes ex-reitores. O currículo que fundamenta as equivalências omite muitas vezes a duração das actividades e cargos que dele constam e o exercício de muitos deles não é comprovado com documentos oficiais. E o parecer assinado por Fernando Neves e por José Feliciano, com duas páginas e meia, fica-se por apreciações genéricas do percurso do candidato e pela atribuição vagamente fundamentada de um total de 160 créditos, que Fernando Neves, um mês depois, faz equivaler a 32 disciplinas.As notas
Para lá do currículo e dos poucos comprovativos entregues pelo então deputado, o parecer e o despacho de Fernando Neves aludem (ao contrário do que o PÚBLICO referiu ontem) a uma "entrevista" a que Relvas foi submetido, adiantando o despacho que o seu objectivo consistia na "avaliação das motivações" do aluno. Os documentos nada mais dizem, não se conhecendo as motivações expressas, nem o local, data ou responsáveis pela entrevista.
No seu despacho, Fernando Neves atribui nota 10 a 11 cadeiras, equivalentes à experiência profissional no privado (sem referir a sua duração), às funções de interesse social e cultural, e à "frequência universitária", sobre a qual nada diz. O mesmo acontece no parecer. Para explicar esta nota, o director refere os 10 valores com que Relvas entrou na Universidade Livre em 1984, mas não alude ao facto, também omitido pelo aluno, de ele ali ter feito uma disciplina do curso de Direito.
Já a nota de 11 dada às outras 21 disciplinas não é objecto de qualquer justificação. Do processo não constam as pautas com as notas atribuídas a Relvas nas quatro cadeiras que este teve que frequentar, informação que o PÚBLICO pediu à universidade e que lhe foi facultada ontem, depois de expurgadas os dados relativos a outros alunos. Relvas teve 18, 12, 14 e 15 nessas cadeiras, tal como consta do certificado passado já em 2008 pelos serviços académicos.
Equivalências de Relvas foram decididas por uma única pessoa - Política - PUBLICO.PT
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