Apesar da recusa de três entidades, ex-pensionista de invalidez provou que, por lei, tem direito ao subsídio.
Quando atrás do balcão de um serviço público alguém lhe assegura, por exemplo, que não tem direito a um abono ou a um qualquer outro subsídio deverá acreditar no que diz um funcionário do Estado? A tendência da maioria será, provavelmente, tomar como certo a informação que lhe é prestada por um representante da administração central. Só que as convicções de três entidades distintas não trouxeram grandes certezas a uma ex-beneficiária da Segurança Social, que protege a identidade sob o nome fictício de Ana M. Valeu-lhe a dúvida para conseguir provar que nem sempre o funcionário público tem razão. Neste caso, foi uma dúvida tão persistente que lhe permitiu solicitar o subsídio de desemprego após perder a pensão que recebia da segurança social.
Durante uma década Ana M. esteve convencida de que a pensão de invalidez seria para a vida toda. Mas não é. A doença que levou a segurança social a considerá-la inapta para trabalhar pode ser revista a qualquer momento. E foi assim que aconteceu há umas semanas. Ana esteve quase dez anos a receber a pensão. Nunca a contactaram para reavaliar a sua incapacidade até um dia receber uma carta do Instituto de Segurança Social comunicando que, por deliberação da comissão de verificação de incapacidades permanentes, a inaptidão deixou de subsistir e a pensão deixaria de ser paga no mês seguinte.
Apta para trabalhar
Aos quase 60 anos, ficou a saber que está novamente apta para trabalhar. Agora só lhe falta encontrar um emprego. “Com esta idade quem é que me vai dar um emprego?”, pensou. O susto foi maior ao ler a última nota que consta no fim do ofício. “Informamos ainda que deve contactar a Instituição da Segurança Social da área da sua residência, para efeitos de avaliação do direito ao subsídio de desemprego.” Ficou incrédula e leu mais uma vez para confirmar que não havia um erro de interpretação. “Será possível ficar sem o subsídio de desemprego? Será possível ficar sem qualquer rendimento de um mês para o outro?”
São incertezas demasiado inquietantes para ficar quieta. No próprio dia dirigiu- -se à segurança social da sua área de residência para esclarecer o equívoco. “Não pode ser verdade”, foi repetindo pelo caminho. “É verdade”, respondeu-lhe a funcionária da Segurança Social. Nem assim acreditou e correu para a Caixa Nacional de Aposentações. “É verdade”, repetiu-lhe outra funcionária. Ainda assim custa a acreditar. Pode ser que no centro de emprego obtenha resposta diferente. “Não tem direito ao subsídio de desemprego”, sentenciou, por fim, a terceira funcionária.
Três nãos tão redondos arrumam com as esperanças da maioria das pessoas, mas não foi o caso de Ana M. que decidiu mergulhar na legislação antes de se dar por vencida. Leu portarias, decretos-lei, artigos e cláusulas em letra miúda e pagou ainda apoio jurídico para descobrir o que suspeitou desde o princípio: “Tenho direito, sim senhor, ao subsídio de desemprego!”
Muniu-se de leis e regulamentos e voltou aos mesmos lugares para reclamar os seus direitos: “Agora, as respostas das funcionárias já não são assim tão convincentes, dizem que, afinal, pode ser que tenha razão.” Depois de três recusas, o seu caso está actualmente a ser reapreciado pela segurança social.
E outros?
Ana pode estar a caminho de uma vitória, mas não sente vontade nenhuma de comemorar. Teve antes vontade de sair à rua e avisar toda a gente para não confiar nas respostas que surgem por detrás dos balcões da função pública. “Então e todos os outros que também receberam ou ainda vão receber na caixa do correio uma carta igual à minha?” Será que se deixam abater com as sucessivas recusas dos funcionários? “Será que têm acesso à informação como eu tive?” Será que têm possibilidades de pagar apoio jurídico para provar que, ao contrário do que lhe garantiram na Segurança Social, na Caixa Geral de Aposentações e no centro de emprego, também têm direito ao subsídio de desemprego? Ana está convencida de que pertence a uma minoria. Que teve sorte. “Outros na mesma situação podem não ter a mesma sorte.”
Testemunho
É por isso que, apesar de não poder revelar a identidade para não comprometer o seu processo de reavaliação na Segurança Social, faz questão de contar a sua história. Ana M. alimenta a esperança de que o seu testemunho tenha a virtude de também pôr outros a duvidar. A dúvida, no seu caso, não foi apenas um conceito filosófico e abstracto com pouca utilidade.
Se mesmo assim, as incertezas persistirem, há sempre a garantia do Instituto da Segurança Social (IPSS) que assegurou ontem ao i que o acesso ao subsídio de desemprego e ao subsídio social de desemprego é um “direito legal disposto no n.º 3 do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro”, desde que o ex-beneficiário da pensão de invalidez do regime geral da segurança social seja declarado apto para o trabalho e não exerça “simultaneamente actividade profissional”. Segundo fonte do IPSS, desde o início do ano já foram pedidas 288 revisões de capacidade, tendo sido realizadas 51% até 31 de Julho. Dos 147 exames já feitos, 140 pensionistas foram considerados aptos para trabalhar. O instituto remeteu os dados sobre subsídio de desemprego para a página de internet, mas, após consulta apurada, o i não conseguiu encontrar qualquer informação sobre estes casos.
Subsídio de desemprego. E se três funcionários públicos dizem não? Isso quer dizer que sim | iOnline
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