Diligências para levar a julgamento um sem-abrigo do Porto, por um furto de 14,34 euros, já custaram aos contribuintes mais de mil euros, calculou hoje o advogado do arguido, que considerou a acusação do Ministério Público um «erro processual».
O sem-abrigo, actualmente em paradeiro desconhecido e com julgamento marcado para Setembro nos Juízos Criminais do Porto, vivia na rua do Campo Alegre em 17 de Maio de 2010, altura em que se apropriou, no supermercado Lidl da rua de Agramonte, de seis embalagens de chocolates entretanto recuperadas pelo segurança do estabelecimento.
«Dado o envolvimento activo das autoridades policiais, cada vez que necessitam de notificar o arguido, calculo que já tenham sido gastos mais de mil euros neste processo. E o Lidl nada pagou, nem nenhum valor lhe foi exigido. Como também nenhum pedido de indemnização formulou», afirmou o causídico Pedro Miguel Branco, nomeado defensor do sem-abrigo e que é membro da Associação Europeia de Advogados.
O Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Porto imputa ao sem-abrigo um crime de furto simples, numa acusação formalmente contestada pelo advogado.
Pedro Miguel Branco argumentou que o procurador «carece de legitimidade» para prosseguir com o procedimento criminal, tendo em conta que os artigos furtados são de valor diminuto (custando menos de uma unidade de conta, 102 euros) e destinavam-se à satisfação «imediata e indispensável de uma necessidade».
Nestas circunstâncias, afirmou, invocado o Código Penal, o processo só deveria ir a julgamento se, ao contrário do sucedido, fosse deduzida de acusação particular.
«Por regra, o Ministério Público não tem enfrentado estes grandes grupos económicos, optando por enviar tudo para julgamento», criticou Pedro Miguel Branco, manifestando a sua convicção de que os Juízos Criminais do Porto «irão absolver» o arguido, «rectificando assim o erro processual praticado no final do inquérito».
O advogado, que tem defendido outros arguidos acusados de crimes similares, propôs em Fevereiro uma alteração legislativa, entretanto prometida pelo Ministério da Justiça, no sentido de obrigar os supermercados a deduzirem queixa particular, pagando as respectivas taxas, para que casos deste tipo sejam levados a julgamento.
A alteração legislativa, realçou o jurista, não visa tornar estes furtos impunes, apenas «responsabilizar o grande comércio pelo entupimento dos tribunais com julgamentos de 60 cêntimos, 10 euros, ou 20 euros, tudo suportado pelo dinheiro dos contribuintes, quando essas mesmas empresas têm lucros de milhões».
Puníveis com multa ou prisão até três anos, os pequenos furtos em supermercados são considerados crimes semipúblicos, pelo que o Ministério Público pode avançar com a acusação sem que o lesado deduza queixa particular. Mas, em certas circunstâncias, os procuradores podem arquivar o processo, invocando o artigo 207.º do Código Penal, relativo ao chamado «crime formigueiro», sem dignidade processual.
Em alternativa, quando se trate de artigos de valor diminuto e destinados à satisfação «imediata e indispensável de uma necessidade», devem fazer depender o avanço do processo da dedução de acusação particular.
Furto de 14 euros custa mais de mil euros à Justiça - Sociedade - Sol
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