30 de março de 2011

Cirurgião abusa de 20 doentes


Mulheres atacadas no Hospital de Santa Marta por Alcídio Rangel, que acabara de as operar às varizes, denunciaram crimes à Judiciária.

Estendida numa cama estranha a um canto do Hospital de Santa Marta, já de noite e sozinha no escuro, em convalescença da intervenção às varizes, ‘Ana' nem quis acreditar no que sentiu de repente. "Um pesadelo." Eram as mãos do doutor Alcídio Rangel, cirurgião que a operara horas antes, a percorrer-lhe o corpo de forma abusiva. "Agarrou-me de todas as formas, tocou-me e esfregou-se." Casada, "mãe de família", a mulher de meia idade está entre mais de 20 vítimas de abusos sexuais que já descreveram à Judiciária de Lisboa os crimes do médico.

A Ordem dos Médicos, que soube dos cinco primeiros abusos ainda em 2008, todos eles a mulheres pacientes nas mesmas circunstâncias, continua a permitir que Alcídio Rangel, 61 anos, exerça. Agora no sector privado, conforme o CM constatou ontem (ver caixa). E a 2ª secção do DIAP, que é coordenada pelo procurador João Guerra - que acusou Carlos Cruz e restantes arguidos do caso Casa Pia -, mantém o predador sexual à solta.

Indiciado pelos vários crimes de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, cada um deles punível com cadeia até oito anos, o cirurgião vascular já foi ouvido no DIAP e saiu com simples termo de identidade e residência. Não foi levado a um juiz ou sequer promovida medida de coacção que o afastasse de novas potenciais vítimas - pacientes nos hospitais ou em clínicas privadas. E o médico já voltou a atacar.

Tudo isto foi descrito ao CM por ‘Ana' e ‘Conceição', duas vítimas do médico, "indignadas com a Justiça", que pedem para não ser identificadas. Não se conheciam, ou às restantes. "Ao todo já fomos cerca de 20 mulheres ouvidas na PJ, para contar os abusos que sofremos às mãos desse senhor, que é compulsivo."

Em comum têm o facto de terem passado uma noite internadas no Hospital de Santa Marta, entre os anos de 2006 e 2009, depois de operadas às varizes pelo cirurgião Rangel, que até há uns meses era médico da Federação Portuguesa de Futebol, acompanhando as selecções feminina e de sub-19.

Em Santa Marta foram identificadas cinco vítimas nos primeiros dois anos e o médico foi suspenso no início do Verão de 2008. Deixaram-no voltar em Outubro desse ano - tendo, só até Fevereiro de 2010, quando foi expulso da Função Pública, abusado de pelo menos mais 15 mulheres, pacientes de várias idades.

"AINDA VÃO APARECER MAIS CASOS"

‘Ana' e ‘Conceição', duas das vítimas do cirurgião vascular que aceitaram falar ao CM sob anonimato, contam que foram recentemente chamadas à secção de combate aos crimes sexuais da Polícia Judiciária de Lisboa. "Depois de os primeiros casos terem sido denunciados [cinco, entre 2006 e 2008], a polícia está a despistar todas as mulheres que foram operadas por ele [Alcídio Rangel] no espaço de dois anos [2008 e 2009, quando foi reintegrado ao serviço no Hospital de Santa Marta]. Num universo de cerca de 200, pelo menos 15 de nós já confirmámos que fomos vítimas de abusos", diz ‘Conceição'.

Mas a PJ, segundo ela, "ainda não despistou nem metade. De certeza que vão aparecer mais casos".

"COMENTOU MAMILOS E BELISCOU-OS"

Quando Alcídio Rangel foi expulso da Função Pública, em Fevereiro de 2010, e antes de o caso ter chegado às mãos da Polícia Judiciária, eram conhecidas cinco vítimas. A Inspecção de Saúde concluiu que o médico assediou as suas pacientes, apalpando-lhes a vagina e beliscando-lhes os seios. Tudo entre 2006 e 2008. Alcídio Rangel tinha recorrido da suspensão para os tribunais administrativos, regressando ao hospital até ao ano passado, quando um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul levou a uma expulsão definitiva.

O tribunal corroborou a conclusão da inspecção, censurando o clínico por ter praticado "actos impróprios da sua profissão, de conteúdo sexual", que provocaram "humilhação" nas suas pacientes.

"Despropositadamente, apreciou a nudez de uma doente, comentou os seus mamilos e beliscou-os, esfregou o pé da doente nos testículos, abriu-lhe a vagina com os dedos e assediou-a sexualmente com comentários", refere o processo disciplinar que fundamentou a pena de demissão. No mesmo documento - que deu origem ao inquérito judicial conduzido pelo DIAP - são ainda relatadas "condutas desproporcionadas", que passaram por apalpões nas mamas e na vagina, beijos na boca e assédio sexual do médico Alcídio Rangel às suas vítimas.

DONO DE CLÍNICA "NÃO FAZIA IDEIA"

Expulso da Função Pública, Alcídio Rangel continua a exercer Medicina em Lisboa, num gabinete que arrendou na clínica Dento Centro, perto do Hospital de Santa Marta. Foi ali que o CM tentou ontem contactá-lo, sem sucesso, e ao director da clínica, o médico dentista Rui de Sousa, que disse não saber que o inquilino era suspeito de crimes sexuais. "Limito-me a arrendar-lhe um gabinete, onde ele atende os doentes dele. Agora garanto que a situação será revista."

FONTE: Correio da Manhã

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