O ex-presidente do BPN vendeu 250 mil acções ao chefe de Estado e à filha a menos de metade do preço de compra.
Quando o negócio se consumou, a 18 de Abril de 2001, Cavaco Silva era apenas um "docente universitário", um "cidadão que tinha sido primeiro-ministro" mas então se dedicava a dar aulas na faculdade. Esta é a justificação dada pela presidência da República, face às declarações feitas ontem em tribunal por um inspector tributário, que dava conta da venda de 250 mil acções da Sociedade Lusa de Negócios a Cavaco Silva e à sua filha, Patrícia Montez. Oliveira Costa, à data presidente do banco detido por aquela sociedade, vendeu cada título a 1 euro, pouco depois de os ter adquirido a mais do dobro do preço à offshore Merfield.
Paulo Jorge Silva, inspector tributário que participou na investigação do caso BPN, esclareceu ontem que José Oliveira Costa teve um prejuízo de 275 mil euros com a venda das acções. Confrontada pelos juízes, a testemunha disse "não ter explicação" para o negócio, que resultou na venda de 100 360 títulos a Cavaco Silva e 149 640 a Patrícia Montez.
O ex-presidente do BPN - que foi secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do governo de Cavaco Silva - comprou um lote de 1,75 milhões de acções, tendo vendido 250 mil a Cavaco Silva e à filha. As restantes foram alienadas um mês depois, em Maio de 2001, às contas de investimento de clientes do BPN, por 2,11 euros. Feitas as contas, Oliveira Costa lucrou um cêntimo por cada título vendido, num negócio que lhe renderia cerca de 15 mil euros.
Contactada pelo i, fonte da presidência da República remeteu explicações para um comunicado público de Novembro de 2008, esclarecendo apenas que, à data dos factos, Cavaco entendeu gerir as suas poupanças "da forma que fez". "Foi confrontado durante a campanha eleitoral, já respondeu, por isso não o vai fazer outra vez."
No comunicado emitido pelo gabinete do Presidente da República a 23 de Novembro de 2008, Cavaco Silva esclarece que "nunca recebeu qualquer remuneração no BPN ou em qualquer das suas empresas", garantindo que o casal presidencial tem "há muitos anos a gestão das suas poupanças entregue a quatro bancos portugueses - incluindo o BPN, desde 2000". Ao tomar posse como Presidente da República, lê-se ainda na nota da presidência, Cavaco Silva e a mulher "deram instruções aos bancos gestores das suas poupanças para não voltarem a comprar ou vender quaisquer acções de empresas portuguesas, excepto no exercício de direitos de preferência".
Prejuízos ocultados Na sessão de julgamento realizada ontem, o inspector tributário referiu ainda que, uma vez que as acções do grupo SLN não estavam cotadas em bolsa, o seu valor deveria ser efectuado a partir do balanço e demonstração de resultados do grupo SLN, um cálculo dificultado pela existência de uma componente patrimonial não declarada que era detida através de sociedades offshore do grupo - as quais teriam grandes prejuízos resultantes de maus investimentos.
Segundo a testemunha, estes prejuízos eram ocultados aos accionistas do grupo e às entidades supervisoras. O inspector explicou também que Oliveira Costa precisava de liquidez para saldar uma dívida com o grupo SLN resultante do aumento de capital da sociedade, em Dezembro de 2000. Para tal, Oliveira Costa precisou de 1,5 milhões de euros para o efeito, tendo feito um contrato de empréstimo junto do Fortis Bank em Lisboa, no valor de 12,5 milhões de euros, e dando como garantia as próprias acções que ainda tinha por pagar.
O inspector disse ainda que acabou por ser a SLN a oferecer as garantias para aquele empréstimo feito a Oliveira Costa, tendo o contrato sido assinado pelos administradores Dias Loureiro e Luís Caprichoso, este último arguido neste processo. O empréstimo de 12,5 milhões concedido pelo Fortis Bank ao presidente do BPN acabaria por ser pago com verbas desviadas do Banco Insular de Cabo Verde - presidido pelo arguido José Vaz Mascarenhas. O buraco financeiro do banco cabo-verdiano foi englobado nas contas do BPN, entretanto nacionalizado pelo Estado português.
FONTE: Correio da Manhã
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