16 de outubro de 2011

Cada vez há mais medicamentos esgotados nas farmácias

Líder da distribuição não tem 1383 medicamentos. Exportação paralela culpada.
 
Cada vez é mais comum não se conseguir aviar à primeira as receitas que se trazem do médico. Nas farmácias contactadas pelo i, a crescente falta de medicamentos afecta até um quinto das receitas diárias. Chegam a passar semanas até receberem os medicamentos, depois de muitas horas ao telefone e corridas às poucas embalagens que vão aparecendo. A crescente exportação paralela, ao ponto de estarem a ir para o estrangeiros medicamentos que fazem falta no país, é a explicação mais provável para os agentes do sector ouvidos pelo i.
Só esta semana estão em falta medicamentos para Alzheimer, colesterol, asma, antidepressivos ou mesmo aspirina. No líder da distribuição de medicamentos em Portugal há 1383 medicamentos esgotados, quase quatro vezes mais que os 370 medicamentos oficialmente em ruptura de stock, segundo o Infarmed (situações de problemas fabris ou falta de matéria-prima). Noutro grande distribuidor faltam 700. Os dados obtidos pelo i permitem assim uma visão mais alargada: num mercado de 14 mil medicamentos, há neste momento dificuldade em aceder a quase 10%.
O problema não é novo, mas depois do agravamento das situações de escassez ao longo do ano atinge neste momento uma fase crítica, disse ao i Paulo Gouveia, director técnico da Farmácia Pedra Mourinha, em Portimão. Neste estabelecimento, como na Farmácia Cardeira em Lisboa, todos os dias tem sido impossível aviar na íntegra cerca de 15% a 20% das receitas: “O meu grande problema é passar mais tempo ao telefone a ver se consigo arranjar medicação que a atender”, diz também Jorge Mesquita, director técnico da Farmácia das Antas no Porto.
Esta semana, por necessidade de um familiar internado no IPO, correu armazenistas de todo o país até encontrar, em Lisboa, seis embalagens de um medicamento para os sapinhos da boca, a inflamação que afecta muitas vezes doentes com leucemia, mas também sida ou diabéticos.
Trocar medicação com outras farmácias ou ir comprar directamente ao laboratório são algumas das soluções encontradas à falta de resposta na distribuição, com contra-indicações. “Há um limite à compra de medicamentos. Tive recentemente o caso do Atrovent, para a asma, que estava esgotado na distribuição. No laboratório podemos comprar dez embalagens por semana quando vendo 40”, diz Mesquita. Quando vão comprar directamente aos laboratórios, as farmácias são penalizadas na factura: perdem cerca de 6% da margem de lucro que a distribuição transfere para este último elo da cadeia do medicamento. Perante as baixas de preços e as futuras revisões das margens (ver texto ao lado) este recurso poderá tornar-se ainda menos apelativo.

A exportaçã
O crescente mercado de exportação paralela – que estará a enviar para o estrangeiro embalagens que acabam por fazer falta a nível nacional – e a falta de pagamento aos grossistas são algumas das razões para a escassez de medicamentos avançadas pelos farmacêuticos de Lisboa, Algarve e Porto ouvidos pelo i. Num grande distribuidor, com 1800 clientes, estão suspensas as vendas a 200 farmácias pelos sucessivos incumprimentos. Apesar de este factor poder vir a agravar-se, com quebras na facturação na ordem dos 40%, todos concordam que são as exportações que estão a sugar o mercado. A prática é legítima desde que não comprometa o consumo interno. Porém, vender ao estrangeiro – sobretudo países do Norte da Europa e de África – numa altura em que os preços em Portugal estão progressivamente mais baixos, acaba por ter margens tão vantajosas que podem lesar esse princípio, explicaram ao i.
A medicação mais cara é a que acaba por sair mais do país em  regime de exportação paralela (revenda pelos grossistas). Comprada aos preços praticados no país, permite ganhos lá fora acima dos 30%. Em Espanha, para minorar o problema, os laboratórios estabelecem por lei dois preços: para revenda interna e para exportação.
Para os farmacêuticos ouvidos pelo i, à falta de maior intervenção, acaba por se gerar um círculo vicioso: a indústria tende a limitar as vendas internas quando percebe que uma parte substancial do produto acaba por inundar os mercados estrangeiros onde também está presente. “Se os maiores compradores continuarem a exportar o mesmo, a quota será cada vez mais diminuída”, conclui Luís Cunha. “Acabamos por ser nós nas farmácias a dar a cara e a lidar com a frustração das pessoas.”
A par das situações que podem ser consideradas fruto da dinâmica do mercado, relatam situações ilícitas: encomendas em que os medicamentos são devolvidos e depois exportados, com uma comissão para a farmácia e o grossista. Fonte da indústria diz que muitas vezes são apanhados “em situações em que encomendavam dez embalagens numa semana e passam a ser 100.” Em processos do Infarmed tornados públicos em Agosto, mais de 30 farmácias e distribuidores foram alvo de contra-ordenações em 2010 por vendas ilegais. Fonte oficial recusou adiantar se há mais agentes sinalizados e se a exportação ilícita tem vindo a agravar-se.

FONTE: Jornal i

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